Emagrecedores não funcionam! Diante deste fato, como é possível que haja tamanha
disponibilidade de produtos irregulares no mercado com promessas milagrosas de todos os
tipos?

A morte recente da enfermeira Edmara e da cantora Paulinha Abelha, por uso inadequado de
produtos sem comprovação de segurança e com alegações de propriedades terapêuticas jamais
confirmadas pela ciência ou por agências reguladoras, levantou a polêmica sobre a falta de
fiscalização desses produtos e como isso se tornou um sério problema de saúde pública.
Gel redutor de medidas, shakes, suplementos alimentares, ervas e chás das mais diversas
origens, terapias hormonais, enzimas lipoativas. Nada disso funciona! Se funcionasse, já teriam
seus registros e indicações aprovados pela Anvisa. E a indústria farmacêutica certamente já teria
lançado suas marcas no mercado.

Aliás, esta é a REGRA N° 1 da Educação Sanitária: SE FUNCIONA TEM REGISTRO. A REGRA N° 2
é: PROPRIEDADE TERAPÊUTICA ≠ PROPRIEDADE FUNCIONAL.

Somente MEDICAMENTOS podem ter PROPRIEDADE TERAPÊUTICA, pois são os únicos que
passam por ensaios clínicos controlados e aleatorizados que comprovam que determinada
droga é eficaz para tratar determinada condição ou doença.

Cosméticos e Alimentos são produtos cujo marketing adora atribuir propriedades terapêuticas
a eles, tais como retardar o envelhecimento ou emagrecimento. Mas a verdade é que isso é
proibido pela regulação sanitária do país. Estes produtos podem, no máximo, ter alegações de
PROPRIEDADE FUNCIONAL. E ainda assim, ela precisa passar por avaliação do órgão sanitário.
Desta forma, os únicos produtos que podem ter a indicação para perda de peso, obesidade e
emagrecimento são MEDICAMENTOS. E existem apenas três medicamentos aprovados para
este fim no Brasil:

  1. Sibutramina: inibidor de apetite
  2. Liraglutida: hormônio que desacelera o esvaziamento do estômago
  3. Orlistate: diminui a absorção de gordura

Ora, se existem apenas três produtos autorizados pela Anvisa, como é possível que haja
tanto produto irregular disponível? Há três razões que podem ser destacadas.

RAZÃO 1: Ignorância da regulação sanitária e brechas na lei

Alimentos que alegam ter PROPRIEDADE FUNCIONAL precisam passar pelo processo de
REGISTRO SANITÁRIO obrigatoriamente para ter sua segurança e eficácia comprovadas. A
propriedade funcional difere da propriedade terapêutica, pois ela tem apenas função AUXILIAR.
Exemplos de propriedade funcional são: auxilia no funcionamento regular do intestino, auxilia
na perda de peso ou auxilia na prevenção do aumento do colesterol.

É muito difícil que alimentos com alegação de propriedade funcional sejam registrados no Brasil.
São pouquíssimas as marcas disponíveis. Isso porque é difícil encontrar bons estudos com
desenhos experimentais satisfatórios que comprovem a associação. Quando esses estudos não
existem, apenas as empresas grandes têm capital pra financiar novos ensaios. E exatamente
porque as associações são muito complicadas de serem determinadas, as grandes farmacêuticas
nem se interessam em registrar esse tipo de produto.

O problema é que existe uma confusão entre o que é ALIMENTO COM ALEGAÇÃO DE
PROPRIEDADE FUNCIONAL e SUPLEMENTO ALIMENTAR. Do ponto de vista, sanitário são duas
classificações diferentes. Até 2018, ambos precisavam de registro sanitário obrigatório.

Entretanto, em 2018, a Anvisa publica a RDC 240 que dispensa o registro sanitário dos
suplementos alimentares, desde que os componentes utilizados pelos fabricantes sejam apenas
os que constam na Instrução Normativa 28/2018. A obrigatoriedade do registro para alimentos
com propriedade funcional é mantida.

Isso abre um precedente enorme para que empresas inidôneas passem a fornecer suplementos
alimentares (com composição até correta), mas com alegações terapêuticas totalmente
descabidas e sem nenhuma comprovação científica. Afinal, é preciso apenas que estas empresas
sejam licenciadas pela Vigilância Sanitária para colocarem no mercado suplementos
dispensados de registro. Um verdadeiro perigo para a população!

RAZÃO 2: Falta de fiscalização e regulação do comércio online

A flexibilização da regulação de suplementos em 2018 encontra terreno fértil na internet.
Suplementos alimentares e cápsulas alternativas são vendidas há anos pela internet e as
plataformas de e-commerce não tem qualquer controle ou restrição sanitária sobre as
operações de seus usuários.

O resultado é que todo o trabalho de regular o mercado e fiscalizá-lo no ambiente físico é
perdido no ambiente digital.

Somente agora em 2022, a Anvisa começa a testar uma ferramenta de IA, numa parceria com o
PNUD, para rastrear esse tipo de operação ilítica na internet. Mas a verdade é que a Anvisa já
está há 15 anos atrasada nesta discussão. Chegou a hora de impor restrições e negociar travas
sanitária com Google, Amazon, Meta e mais outras tantas, e cadê?

RAZÃO 3: Lobby político e o jeitinho brasileiro

Ninguém gosta de regra sanitária. Nem pessoas e nem empresas! O maior exemplo disso foi o
uso incorreto das máscaras durante a pandemia. Mas pior do que não gostar, é dar o famoso jeitinho pra se livrar do “inconveniente”. Não é de hoje que vimos o Congresso Nacional tentar
atropelar as atribuições da Anvisa.

Foi assim com as Medidas Provisórias das vacinas, em que a Anvisa seria obrigada a aprová-las
num intervalo de 72 horas. Está sendo assim com a tramitação do PL dos Agrotóxicos, que retira
a governança do processo de aprovação toxicológica das mãos da Anvisa. E foi assim com a
aprovação da Lei 13.454/2017, a famosa Lei dos Anorexígenos.

Em 2011, a Anvisa suspendeu o uso dos inibidores de apetite ANFEPRAMONA, FEMPROPOREX
e MAZINDOL. Esses fármacos eram utilizados pela indústria farmacêutica desde 1950 e até hoje
não há evidências robustas que comprovem sua eficácia e segurança.

Em 2014 é iniciada a tramitação do projeto de lei que se transforma na Lei 13.454/2017 e
autoriza a produção, comercialização e consumo, sob prescrição médica, dos três
anoregíxenos outrora proibidos pela Anvisa.

Durante a tramitação, Anvisa e AGU tentam contra-argumentar em vão diante da
inconstitucionalidade da matéria. Na ocasião, o Presidente em exercício era o então Presidente
da Câmara, Rodrigo Maia, que assina e sanciona a lei.

Em outubro de 2021, o STF derruba a Lei 13.454, declara sua inconstitucionalidade e devolve a
responsabilidade da matéria à Anvisa.

O problema é sistêmico e a solução deve vir através da Educação Sanitária para que as pessoas
possam identificar uma situação ou produto potencialmente perigoso e saber denunciar pelos
canais corretos. Somente assim, fortalecemos o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e o SUS.

Live transmitida pelo Instagram em 11.mar.2022

Referências:
RDC 52/2011: Dispõe sobre a proibição do uso das substâncias anfepramona, femproporex e mazindol, seus sais e isômeros, bem como intermediários e medidas de controle da prescrição e dispensação de medicamentos que contenham a substância sibutramina, seus sais e isômeros, bem como intermediários e dá outras providências.
IN 28/2018: Dispõe sobre os requisitos sanitários dos suplementos alimentares.
RDC 240/2018: Altera a Resolução – RDC no 27, de 6 de agosto de 2010, que dispõe sobre as categorias de alimentos e embalagens isentos e com obrigatoriedade de registro sanitário.
RDC 243/2018: Estabelece as listas de constituintes, de limites de uso, de alegações e de rotulagem complementar dos suplementos alimentares.
Alves SMC, Bem IP. Anorexígenos e fosfoetanolamina sintética: a lição que não foi aprendida. Revista Cadernos  Ibero-Americanos de Direito Sanitário. 2017 out./dez, 6(4):180-183.  
Agência Fiocruz de Notícias – Proposta de Inibidores de apetite que suspende resolução da Anvisa carece de  evidências técnicas, aponta pesquisador | 26.08.2014  
G1 (globo.com) – STF derruba lei que permitia a venda de remédios para emagrecer | 14.10.2021

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